terça-feira, 13 de novembro de 2012

Partes


Existe uma parte em mim
que se tornou personagem da própria criação.
Outro pedaço quer desistir
da criação por achá-la inútil e frágil,
ao passo que uma outra parte evapora,
se perde.

Surge o embate.

Ambas se preocupam com a erosão da alma.
Uma argumenta,
a outra é desilusão.

Vejo minha parte mais nobre se perder
e por ser vapor, os dedos não agarram.
O texto agarra,
parte.
Esse texto…
letras de papel,
digitais,
flácidas, sensíveis demais.

Talvez minha alma não evaporasse,
não estivesse diluída –
solução aquosa de alma 
e lágrimas que também evaporam.

(Agora mesmo:
uma parte vê esperanças nesse poema,
outra parte se agita, sua frio,
enojada por palavras tão imprestáveis como:
alma, dor, lágrimas, evaporar, desilusão…
Palavras tão ditas!
Nada aqui é novo;
o ego sensível camuflado em alma
que não quer dividir o brinquedo
e aí chora, esperneia, se agita.
Rouba palavras de uma baciada,
uma pechincha,
"escreva poemas instantâneos!"…)

Talvez exista ainda outra parte
que apenas assiste ao duelo,
em silêncio e impotente.
Essa parte já não tem voz.
Mas o suficiente pra sentir
vergonha e piedade.


Recebo uma visita inesperada.
Alguém está à minha porta.
É minha vizinha que me traz um pedaço de bolo
e lágrimas.
(Num relance, invejo suas lágrimas.)
Ela se acomoda em minha cama e fala durante uma hora e meia,
alternando momentos de choro e riso.

Seu choro não me comove,
seu riso não me encanta mais.
Só o que sinto é um estranho mal estar diante de tantas palavras.
(Chego a duvidar que ela esteja realmente ali.)
Parte de mim busca um meio de transformá-la em literatura,
outra parte pensa em pedir para que ela vá embora.
Todas as partes se agitam e se chocam, causando uma terrível tontura;
sinto minha cabeça esquentar, latejando.
Minha parte personagem se considera Meursalt, aturdido pelo Sol
que são essas palavras numa lamentação covarde, infantil, patética, conformada, constipada, ridícula
e sem qualquer sentido.

Já não absorvo nada do que ela diz,
apenas concordo educadamente e me preocupo por estar sem cuecas
Não encontro posição adequada.

Desde o momento em que parei de ouvi-la grudei num choro desesperado 
que frequentemente se mescla a uma melodia que minha cabeça lateja de modo repetitivo.
Quando penso ser a melodia, retorna o choro.

Todos os cães do morro parecem latir.

Então ela fala algo sobre querer ter coragem para viver como eu,
dou risada e penso que também gostaria dessa coragem…
Ela parece nem perceber, segue com um sorriso cansado – olheiras como varizes –
tentando disfarçar sua fraqueza escancarada.
Fala Fala Fala Fala                            Fala Fala Fala
                   Fala Fala Fala Fala             Fala   Fala
                               Fala Fala Fala     Fala
                Fala     Fala            Fala Fala
aí diz “Bom, então vou indo…”.
Levanto e a acompanho até a porta. Ela diz “então tá, boa noite”.
Boa noite. E volto ao meu silêncio, um pouco preocupado.
Estou sentindo aquilo. Mau sinal…
Me deito muito encolhido.
Afasto o violão e a folha em branco, visto um grosso casaco e me protejo da luz, que esqueci de apagar. 

Parte de mim se parte.

Sou todo uma só parte agora, mas já não sei qual… sinto um certo temor; me cubro.
Bloqueio qualquer palavra dita pela minha mente agitada, bloqueio a criação, bloqueio pensamentos obscuros, bloqueio a ideia de um longo dia de folga amanhã, para onde me projeto e posso já sofrer de tédio e fraqueza emocional.

Tento não existir, sem êxito.

Alguma coisa está realmente fora do lugar.
Isso me é óbvio.


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