quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

enquanto espero



levanto
me alongo e
20mg de citalopram

café pra acordar,
omeprazol pra não implodir

          música

um ansitec pós-almoço
tédio,
masturbação.

bicarbonato de sódio.

5mg de valium quando a tarde cai
maconha quando enfim escurece,
café pra rebater.

          cinema

alguma coisa pra dentro do estômago
mais maconha (porque álcool não pode)
10mg de valium pra frear a máquina,
relaxante muscular pra ficar macio.


letárgico no sofá,
escrevo má poesia

          (orgasmo)

fumo aquela ponta,
lá se foi mais um dia


             
                               
                                            (silêncio)
               





a hipocondria é uma resposta à espera.





fevereiro/2016                                                                                                                     

Pangéia - Teaser


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Me dói (Canção)


Me dói
te ver assim
gasta
da festa que eu não fui chamado

Dói
te ver assim
chegando usada,
atrasada,
da festa que eu não fui chamado

Me dói
te ver assim
chegando usada, abusada,
cuspida da festa que eu não fui.


Me dói o seu bocejo que sai assim,
      gasto
por bocas que não me chamaram
pra festa que eu não fui
                              porque fui te esperar
                              em casa

                                                  quieto.


Dói mais que te ver assim,
você não me ver mais.


domingo, 7 de fevereiro de 2016

O verdadeiro terror


Em 2010 eu saí de uma casa superlotada e fui morar sozinho em SP.
Lá, vivi num cubículo sem janela.
O ralo do meu banheiro era um rombo indiscreto que fedia o fedor de todas as casas da vizinhança. Meus vizinhos passavam o dia inteiro fora, cumprindo tarefas que odiavam. Só quando eles cagavam (a merda de um dia inteiro) eu notava suas presenças.
Eu dormia num colchão no chão e a casa era infestada por baratas. Eu me alimentava de água com farinha de milho, cerveja barata e literatura. Eu e meu violãozinho velho.

Desnutrido, recém-traído, sozinho naquela cidade, eu me fechei no meu mundo imundo. Eu andava pelas ruas completamente transtornado e sentia raiva de quem se alimentava.
Eu emagreci 20kg, perdi cabelo e sanidade.
Eu sofria alucinações.
Eu sentia baratas no meu corpo. O tempo todo.
Eu lia Dostoiévski de cueca no chão sujo. Coava a mesma borra de café até três vezes.
A TV de 14 polegadas do antigo morador estava quase sempre ligada, mas nunca com som.
Me apaixonei algumas vezes nesse período, mesmo notando minha decadência iminente. (Elas se preocupavam comigo.)

Cortaram minha luz. Era inverno. Chuveiro elétrico.
Eu passei três semanas tomando banho gelado, lendo Balzac no escuro, iluminando as páginas com uma lanterninha até que acabasse a bateria.
Eu havia acumulado, ao longo do ano, roupas molhadas num tanque. Tudo apodreceu e se tornou toca para inúmeras espécies de inseto. Era meu corpo se livrando da velha carapaça.

Eu pensava ser seguido e espionado. Eu conectava todas as pessoas da rua numa complexa trama contra mim. Eu não tinha telefone nem internet. Não tinha facebook. Eu não sabia o que era um meme.
Eu cheguei ao fundo escuro de um estado neurótico-obsessivo.
Eu tentei suicídio duas vezes.
Eu comi uma puta sem camisinha num inferninho de beira de calçada popular em Osasco numa terça-feira.
Eu era protagonista e vitima da minha tragicomédia cotidiana.
Eu sentia muito ódio. Eu. Muito.

Mas nada disso me preparou pro verdadeiro terror humano, que são os comentários em portais de notícia.



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

dois verbos



                             quando ouvir "sente!"
                             não senta,

                             sinta!






terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

with my arms







escrevo meu berço                                                                                                  
             meu abraço                                                                                                  








Teto


Se estou assim,
deitado, estático fitando o teto
não é porque estou louco ou
desesperado ou prestes a cometer
o bom e velho
Suicídio.
É porque estou vivo e isso basta.

O teto é tão simples quanto parece;
É um teto. Sem surpresas.
Não o encaro na intenção de
buscar uma resposta para sei-lá-o-quê.
Estou aqui paralisado, fitando o teto
por não restar outra opção.

Não quero confraternizar com os
outros. Não quero sorrir ou
demonstrar interesse ou 
combater…

Talvez passe a noite aqui, devorando meu teto branco.
Farei isso não por estar deprimido.
Farei isso porque estou vivo. Sem surpresas.

E isso basta.

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                                             03/2012

Pacato inferno


O som leve do ventilador portátil não interrompe o silêncio tropical; pelo contrário: intensifica-o. Todas as janelas abertas não dão vazão ao calor dantesco e atípico. As moscas vagam fartas pela merda dos gatos que, exposta ao calor, fede o dobro.
A cena é de dar inveja a qualquer escritor de sub-literatura policial. Não há mesa de escritório ou arma, é verdade. Sento-me sobre um travesseiro murcho, enrolado no chão, de costas apoiadas num sofá velho fedendo a vinagre.
Nesse exato momento encontro-me suspenso na existência. Busco um tipo de paz interior, mas as gotas de suor me escorrendo pelas costas distanciam qualquer possibilidade. Esfrego as costas no sofá. O travesseiro se desenrola. Dou um impulso com os joelhos, o corpo salta um pouco e tento nesse ínterim arrumar o travesseiro, mas caio rapidamente sobre ele, ainda mais desfeito. Esmago os dedos com o peso do corpo. Meu saco vai parar embaixo do cu, todo empapado de suor. Um mosquito talvez cego tromba no meu nariz  desperto totalmente da paz que vislumbrava. Descolo o saco do cu, enrolo o travesseiro outra vez, ajeito a postura, fecho os olhos, respiro sentindo o diafragma cada vez mais relaxado, estico a coluna, giro o pescoço e tento encontrar um ponto de fuga no negrume dos olhos. O suor escorre. Muito. Tomo conhecimento de dobras até então ocultas no meu corpo. Estou gordo. Levanto bruscamente, vou até o banheiro lavar o rosto, cometo o erro crasso de olhar o topo da minha cabeça oleosa e calva. Ontem mesmo eu era um cara bonito, com certa elegância. Pra onde vai a vitalidade? Escorre como suor? Fede como merda de gato? Gira sem parar como o ventilador portátil?
É impossível permanecer aqui. Visto uma bermuda limpa e uma camiseta fedendo a sovaco. Tudo bem. Recolho cinco sacolas de lixo antigo – uma delas furada, fazendo escorrer chorume pelo chão – e desço as escadas frias desse prédio pacato onde moro.

A rua parece o inferno.
Vago tentando encontrar o diabo que enfim me libertará.

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                                                                                 10/2014