sábado, 2 de março de 2013

Ciclo morto


Quis morrer no parto
Para encerrar um velho ciclo.
Sobreviveu.

Amaldiçoou a sorte,
Perdoou a filha
Última de um velho ciclo.

Por doze anos ainda viveu submersa em si
E compreendeu:
Amar é querer ser absorvido inteiramente.


sexta-feira, 1 de março de 2013

Néia

Venho pensando em Néia.
(Néia é gentil apelido; seu nome é Geneilza.)
Mas Néia é apelido. Seu nome ela não revela.
Eu respeito. É nome que pesa em seus 32 anos
e rosto de anjo labutador, engrossado pelo sol nordestino e suas mazelas.
Néia é mulher.
Se fosse ovelha, seria negra.
Se fosse velha, morreria em mim.
(Estou rondando certo lirismo por não saber como dizer que Geneilza ejacula
e que seu gozo me inundou o sono essa noite.)

Mas Néia vive.
Por sua fibra de baiana maltratada e sonho incubado.
Por sua fibra de mãe solteira e ex-marido obsessivo.
Néia me levou além das outras.
(Leia-se: Néia trepava melhor que todas.)
Seu rubor me aqueceu uns dias de fome;
Seu néctar (seu gozo) me adoçou umas noites de insônia,
quando as noites se mostravam duras demais.

Mas nosso último encontro foi frígido —
justamente por isso foi o último —
e Néia fugiu furtiva, pra nunca mais me extasiar.
(Leia-se: e Néia fugiu furtiva, pra nunca mais me extasiar.)


                              Montes Claros/MG, 19 de janeiro de 2013


Poema escrito enquanto eu olhava para baixo


Terá o abstêmio alcançado a plenitude
      Precocemente?

Amigo, posso lhe dizer
Que tenho 3 paixões:
a música
o cinema
a literatura

              E ainda me sobra tempo para pensar em suicídio!
 Então o sujeito sóbrio chega e me diz que a vida é curta demais!

Assumo minha inveja.
Eu gostaria de ser um abstêmio. Traçar o escopo de uma vida,
Seguir o cronograma
                Disciplinado
                                 Lúcido
                                              São
Sério.

Mas o que posso fazer? Nasci apaixonado.
                Triplamente apaixonado –
Se minha essência não é monogâmica, como posso prometer isso às mulheres?

                O abstêmio nunca será um apaixonado.

Por isso se ocupa em manchar a imagem do boêmio –
                         Como se o boêmio já não denegrisse suficientemente a própria imagem!

Ora, abstêmio
Nosso único acordo é: nossas condições rimam entre si!
Fora isso, ocupe-se em me vigiar
                                               Que eu me ocupo de buscar o equilíbrio entre

   Arte                                                   e                                                    tédio

                                                                                               .

o desamor


é quando a barriga esquenta
e as pálpebras já não vibram mais.

quando o esforço se faz evidente
ou é apenas esforço.
é quando viramos xerox de nós mesmos
ou quando não existe mais o esforço.

não é a ausência do sexo, mas o sexo por costume ou cordialidade
e não é necessariamente a presença da mentira
mas a verdade dura dita desnecessariamente.

o problema não é quando as máscaras caem, mas quando começam a surgir.

é quando outros idiomas passam a camuflar as palavras,
todas as suas frequências se anulam
e seu orgulho míngua.

o desamor se dá quando olhamos para o outro e enxergamos um ser individual, 
não mais uma extensão de nós mesmos.


o diálogo entre nossas mãos

minha mão. sua.
aproximação fugaz e inevitável.

minha mão: sua.
a ti me entrego, nua e inesgotável
e te cravo as unhas.

minha mão sua.

Você



Você
que já me viu seduzir a noite
e beber sangue de vagina desvirginada,
ou você que acreditou nisso…
você não é capaz de me imaginar sob o chuveiro
encolhido
abraçando meu próprio corpo
com as luzes apagadas.

Isso você não pondera.
Você me apunhala porque não percebe que
também sou carne e sangue.

Você que me viu com tantas mulheres
e acredita que meu coração é um pênis
não pensa que
se ando sumido
é porque talvez não tenha mais forças
(meu suicídio afetaria sua vida apenas duas semanas depois de consumado).

Você
que pensa
que sou um garanhão,
um homem sem piedade ou alma
se engana.

(A culpa foi minha?)

Você torna a me apunhalar, cuspir,
você pinta minha caricatura com guache
e expõe ao público –
não me manda o convite da exposição.
Sua obra-prima me passa desapercebida.

Você não vê meu reflexo no espelho clamar calado por socorro.
Na verdade você já não costuma pensar em mim.

Por isso estou sozinho.
Por isso eu fugi.


O sangue virgem secou, amigo.
Agora só recebo carne usada
e mal sei usá-la.
Esqueci o sentido do corte,
cansei de armazená-la.


Vai, purifica sua lembrança sobre mim.
Tira o punhal da minha garganta.
Esquece aquele sangue virgem.
Eu não sou assim.
Ouve meu choro abafado.
Me dá um abraço.
Me perdoa.


findo mundo



findo mundo:
finjo quieto,
falo mudo.

fim do mundo:
homens fingindo orgasmo.

vil,
findo mundos –
finjo muito,
calo mudo.

áspero.
ou liso.

findo muito.

somos cruéis, absurdos.
finjo imundo,
forjo mudo
o fim do mundo.

nosso mundo (meu e seu).
sem dedicatórias,
sorrisos assim,
flerte.

findo tudo, não mais precisaremos fingir.

findo o mundo, nasceremos.
com piedade que dói em nós
piedade gratuita, terrível.

(todos os pensamentos me levam a você,
  o que fez você hoje?)

forjo um poema;
sai frígido e frágil.
o relógio me avisa:
01:58
01:59
nenhuma palavra será necessária às 02:00.
então calarei.
mudo.
tudo.

fingimos juntos, em total harmonia
às duas horas
da manhã.