sábado, 4 de junho de 2011

Tar



“a Tar es imposible llegar”


I


buscando a plenitude onde ninguém jamais esteve,
carrego-te com sufoco. sei que teu pranto pesa
e também teu corpo sobre essas rodas que empurro.
não te aturdas com o concerto ante os rochedos. ouça o sax,
o contra-baixo, o tilintar das taças e também o piano em chamas.
não te aturdas com o assédio. sabes que isso me faz falta e
sabes também que já não podes me proporcionar.
aguarde.
faço isso, mas te amo e venero, sabes, pois.
escute o piano. também as risadas e o bumbo ecoando na estrutura de pedras polidas.
sabes que apenas me iludo. dia após dia. sabes que não sou capaz de me satisfazer.
às vezes penso que tua deficiência é uma bênção. pois imagine todo seu desejo não podendo ser sanado.
perceba o piano. suas cordas e teclas já em brasa. o banco vazio. perceba o fascínio daquela que o destrói.
ouça sua gargalhada. veja a destruição...
o show está acabado.

sigamos. estou pronto.
carrego-te com pesar. sei que teu sufoco pesa,
mas também teu corpo sobre esse entulho onde deitas.
ouço o velho mago no caminho.
chegamos ao lamaçal, onde te deixo e tu choras como uma criança faminta.
choras porque és covarde e fraca. choras porque és demente!
recolho-te, débil criança, e sigo carregando-te.
buscando a plenitude onde ninguém jamais esteve.
veja as flores! sinta o aroma!
"mas não há flores", me dizes.
VEJA AS FLORES! ADMIRE-AS!
"mas não há flores, meu amor".
covarde! só o que fazes é choramingar!
estou farto da tua auto-piedade. faço tudo por ti e o que recebo em troca é este insuportável pranto!
que teu corpo paralítico e atrofiado se esfole nas malditas pedras polidas e apodreça ao sol! - que nunca se põe, é verdade.
e quando o gigantesco coração pulsar, prepara-te para as criaturas obscenas que do lodo emergem! prepara essa carne frágil e morta!
subo a montanha enquanto clama por mim, inválida. impotente.

percebo o quão corrompido foi esse éden! corpos semi-vivos, copos com pêssegos.
a sorte é lançada e o premio é uma chance de rejuvenescer, mesmo que por instantes.
as derrotadas ficam abandonadas com os pêssegos, que me são oferecidos quando apareço, mas recuso.
sabes que uma mulher rejeitada produz mais veneno que uma Taipan. e é esse veneno que voa em minhas vestes, enquanto fujo,
impotente.
deparo-me com deformadas ninfas sedentas e digo que não posso. tento fugir mas sou capturado por sua rainha, que me pune
ao som de vespas.
derrubam e humilham-me. sou guiado até a cova de meu pai, que se ergue e me enterra.
que se ergue e segue as ninfas, que seguem sua majestade fazendo ciranda.
"papai, papai!", clamo em vão. e me estendo em sua cova.
                                              
II


ouço-te gritando meu nome, incansavelmente.
volto, sem orgulho, sem troféu, desnorteado
e me norteio em ti.
volto.
volto e espero que termines de tocar teu corpo desproporcional, sobre poças de crânios.
a égua dá a luz e quem faz o parto é um homem sedento, que fura o ventre da cria - de onde saem cobras - para satisfazer sua própria vontade.
em seguida mastiga a placenta e chafurda nas fezes e coágulos negros.
volto de quatro.
volto prometendo amar-te eternamente e curar tuas dores, quando chegarmos lá.
lambo teus dedos sujos de sangue e restos de sêmen de outrem.

seguimos esperançosos.
pintamos nossos nomes nas pedras e no céu.
pinto meu nome em teu corpo. te cubro de mim.
teu sangue é extraído para alimentar o cego pedinte, porém é bebido pelo abutre que o acompanha. o cego reclama a taça e recebe o resto.
lambe a taça e o resto de sangue, já pútrido. se revigora e segue em frente, acompanhado por seu tutor, que recomeça a implorar:
"um pouco de sangue, pelo amor de deus!".
o gigantesco coração pulsa. forte.
caminho a esmo, fazendo melodia no tambor que furtamos do concerto.
somos surpreendidos pela prova da ineficiência de deus – embora tu já o sejas.
sigo o animal com diamantes na vagina enquanto ficas a mastigar pêssegos rejeitados.
os diamantes refletem minha mãe, moribunda.
aceito quando ela me oferece doces e lembro-me de seu ensinamento, “nunca aceite comida de estranhos.”
ora, o que a difere de um transeunte qualquer? dirás para mim que de teu ventre eu saí, é verdade, mas sequer me lembro deste fato!
então percebo que durante a infância ingeri alimentos cedidos por uma estranha e talvez aí se enraíze meu déficit.
cuspo o doce.

lembro-me de teu primeiro velório, mamãe, quando eu era apenas um menino e tu já eras como Josefina, a dos ratos.
a rainha dos detentos, das loucas, dos lazarentos...
lembro-me nitidamente do que fizeste com papai, apenas porque ele não mais te satisfazia.
você o humilhou. repudiou. ameaçou e cumpriu, tirando-lhe o pássaro do peito.
e eu fugia por entre corredores de gargalhadas estúpidas.
seus súditos. as moscas que rodeavam sua luz.
agora pedes que eu te mate e minha vontade não é outra.
sinto as mãos de deus livrando minha respiração, ao passo que te sufoco em tuas mechas fúteis de cabelo
arranco teus cílios postiços
e te beijo a boca.
conduzo-te até a cova onde outrora estive e digo para que tenhas cuidado.
sinto tua mão roçando minhas costas e teu peso cedendo abruptamente.
despejo areia em teu cadáver, enquanto me agradeces. paro para que me entregues um novo pássaro.
despejo areia em teu cadáver até que não mais sejas tocada pelo sol - que aqui é eterno.
teu coração não pulsa mais.
o gigantesco coração não pulsa mais.
                                              
III

o pássaro levanta vôo e se perde na imensidão azul.

vamos, meu amor. podemos seguir viagem.
tornamo-nos um só corpo.
sinos e banjos preenchem o ambiente enquanto te beijo
e... tu me renegas!
de sua vagina nascem sete porcos!
acorrento-te e espreito os três abutres que nos rodeiam:
o mensageiro, o mímico e também o conselheiro.
ofereço teu corpo, faço alarde, te beijo e aconselho que façam o mesmo.
anuncio-te como um animal de circo.
digo que beijem suas mãos, suas pernas e seus dedos.
os três borbulham excitação mas logo fogem quando digo que és minha noiva.
imprestável!

julgo ouvir a caravana que ruma para . disparo como um tiro e não tenho força para escalar os rochedos.
perco o som dos passos e a culpa é tua e de teu corpo lento, paralítico e corrompido!
arranho as pedras, amaldiçôo os deuses!
vago como um bêbado e acabo me apoiando em ti.
coloco-te cuidadosamente no chão.
conto sobre o padre que extraiu da minha nuca a pedra da loucura.
vejo abacaxis, maçãs, carpas, harpas, amputados e chaleiras.
mas principalmente abacaxis. abacaxis enormes.
carpas e fetos
harpas e tetos
raspas e netos
um funil e mais abacaxis.
pés. fios de ovos. o mar.
um estranho homem sem rosto.
(ruídos me ensurdecem.)
pássaros atropelados, rãs, homens com um funil na cabeça
harpas num balde, ovos de um animal, gordura podre,
frutas e pães numa mesa farta.
a santa ceia dos boçais dos dementes dos fracassados e dos paralíticos.

dizes que sentes fraqueza.
toco meu tambor para ti. a tua música.
tu pedes para que eu a toque quando chegarmos lá.
para que eu a toque todo o tempo.
eu te amo.
essas algemas são para a sua segurança,
confie em mim.
rastejar só vai prolongar sua dor.
venha aqui, estúpida! não te machucarei!
quero apenas te colocar essas algemas!

anjos choram e tu partes para cima do meu tambor
e rasga sua pele e destrói sua estrutura
e o arremessa longe e merece cada chute que recebe
e cada pedrada que aceita de mim e
aceita até o momento em que não tem mais opção
e morre.

sei que tuas bonecas choram, longe de ti e sem esperanças
e engasgam por não estarem presentes de corpo no teu velório
a céu aberto.
e a multidão vem prestar-lhe homenagens. os pobres famintos,
os mensageiros, mímicos, mas não os conselheiros.
os fiéis clamam por ti e veneram-te e rasgam tua pele e alimentam-se de ti.

ergo teu corpo, beijo a carniça, arrependido
e os anjos se perdem em prantos.
coloco-te nas costas e sigo em frente, ouvindo os passos fiéis da multidão.

ando por meses com teu cadáver em minhas costas, sem olhar por onde.
o sol jamais se pôs e
os urubus jamais ousaram chegar perto do teu sangue arenoso e
teu corpo agora está completamente morto e
eu sei que teu estômago nunca digeriu a rosa que te dei naquela tarde
e os passos fiéis não mais nos acompanham
e eu finalmente me canso e fraquejo,
desmoronando entre os arbustos.
teu corpo repousa sobre o meu, enquanto as folhas secas nos cobrem e
nos protegem do sol e dos abutres e dos conselheiros e dos famintos e apagam nosso nome da história
e nós nunca chegamos lá
onde, aliás, ninguém jamais esteve
ou estará.

terça-feira, 31 de maio de 2011

a noite em que nos entorpecemos com o demônio


nosso norte era o sul,
mas aceitamos o leste.
chegamos a uma praia vazia
com um astral estranho
e um vento noroeste.

a paranóia como um gato manso,
a mente cedendo
um arrepio do espírito
e uma fuga vã, sentido norte - que era nosso sul.
uma armadilha confortável
desencadeando a decadência

perigo sutil do ócio,
a mente abalada.
not to touch the earth e a descida ao inferno.
um encontro,
cancelamento.
a loucura abrupta,

        a
b
   
        i 
      
             s
      
           
                   m

     
  O


um mar negro.
família na re
                        de
peixes alucinados

caminho plástico.
pés autônomos
uma quarta pessoa
o desespero cresce
os sentidos alucinados
minha mente na rede
família de peixes
pés autônomos

meus pêsames

palavras absurdas
risadas de uva.
um símbolo na areia

passospassospassopassopassospass
ospassosopassopasso
spassos

              astral
inferno    mental
                  sensorial

se o leste é o norte, o sul é o oeste e o vento noroeste sopra sudeste,
o banheiro é logo ali,
à esquerda, no corredor vermelho
com sombras magras
                    na cama que não existe
                       com pessoas que não existem
                       num quarto que não está ali
                      um velho que já morreu
                             e um cachorro branco que ficou na areia
com os peixes, ao sul - que era nosso norte
e o quarto verde abrigava um ménage-à-trois.

problemas com padrões repetidos,
paralelas
em paredes vermelhas.
de volta

e as palavras do I Ching não se formavam...

  (quarto verde?)

uma barata enorme subiu nas minhas costas e me tirou do transe.
eu precisava deitar

- perdemos o ônibus de volta?
- há muito tempo.
- e que lugar é esse?
- não tenho a menor ideia.