domingo, 8 de maio de 2016

entre-dias



condenado
mais uma vez
a esse sofá movediço

sem brilho
sem surpresas
sem álcool

tomando um chá artificial de gengibre com limão
fingindo estar em paz.

os remédios não fizeram efeito hoje.

meu estômago dói.

sinto uma força elétrica circular por toda a minha pele,
refém desse corpo.

minha respiração ofegante não é capaz de romper o silêncio assustador
que me oprime e faz segurar minha própria cabeça, apertando as têmporas.

o relógio marca 00:58
me encontro suspenso entre-dias.
horas escuras virão.

já não consigo dormir na minha cama.
já não consigo me masturbar.
já não compreendo esse rombo entre estômago e coração.

(todos sorriem.)
(falar é obrigatório.)

preciso de um abraço apertado 
não quero ninguém por perto.

por que caralhos eu simplesmente não consigo aceitar essa noite comum, nesse sofá
com meu chá artificial?

sou bom demais pra isso?


escrevo com dificuldade.
entre um verso cuspido e outro arrotado
fecho os olhos, espero mais um tremor passar.
seguro minha cabeça para que ela não despenque do pescoço e role pelo chão.

nesse momento não há nada que me faça querer estar vivo.
tudo me parece absurdo.

por exemplo:
pra que tanto fio?
pra que tanto papel?
pra que tanto prato? talher?
pra que outra televisão?
por que tanta lata de milho no armário?
por que essa euforia-letárgica aqui dentro?

é simplesmente incompreensível.

não posso parar de escrever.
o Grande-Nada me aguarda,
imbatível.

uma garrafa de whisky.
uma garrafa de whisky e meus problemas estariam resolvidos.

o relógio marca 01:09
faz frio lá fora.
mas muito calor aqui
dentro dessas roupas,
dessa pele elétrica, desses pêlos latinos sobre meu corpo.

escrevo sobre morte para não pensar em morte.
meus dentes rangem.
me falta ar.

alguém resolve fazer estardalhaço no corredor do prédio e o barulho me atinge como navalha no ouvido.

pra que tanto barulho?
pra que tanta risada?
caralho.

(...)

minha gata vem até mim. se acomoda entre minhas pernas.
traz um olhar sereno.
me olha e me lambe.
pra ela está tudo bem,
basta que o pote de ração esteja cheio.

"te amo", eu digo.
ela não compreende. segue lambendo suas almofadinhas.
sinto vontade de mordê-la. esmagar seu corpinho quente,
mas ela está agora totalmente encolhida
ronronando sublime entre minhas pernas.

ela me trouxe paz.
salvou minha noite,
por enquanto,
1:21.




segunda-feira, 2 de maio de 2016

apatia




"parabéns por mais um fracasso", disse o rapaz diante do espelho
"parabéns por mais um fracasso", disse o rapaz de olho vermelho

 parabéns por mais um fracasso.
 parabéns por mais um fracasso.

 apatia
incompetência
 frigidez
  gosma            letargia


parabéns por mais um fracasso.
parabéns por mais um fracasso, garoto.

"parabéns por mais um fracasso", disse o rapaz diante do espelho
"parabéns por mais um fracasso", disse o rapaz de cachecol e calvo

disse o rapaz de cachecol e calvo
disse o rapaz de olho vermelho
                                  disse o rapaz de casaco azul diante do espelho






eu queria ter:


a mão direita do baden powell
a esquerda do muhammad ali e
o estômago de um adolescente