sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

em memória



era possível visitar todos os continentes naquele rosto
e enfim enxergar beleza num maço de Marlboro
andando por São Paulo com uma leveza oriental

mas a cidade te foi hostil
e eu me preocupava com a sua alimentação
e sua sanidade mental
e no dia em que fomos à casa modernista você me falou
sobre todos aqueles remédios e também sobre Ana Cristina Cesar

guardo de você claras lembranças noturnas
e me dói saber da sua morte
e de como você sofreu sozinha
no último dia em que esteve lúcida
naquela rodoviária

é tão desproporcional

mas São Paulo segue implacável
e o quarto que você ocupava na rua Domingos de Morais
já está alugado
pra outra hóspede que, assim como você
trouxe tantos sonhos e livros na mala

eu não me despedi e agora fico com a sensação de que deveria ter sido melhor com você
e se eu pudesse prever sua morte
certamente teria devolvido aquele livro da Clarice que eu não terminei.

há um incômodo muito grande na minha cabeça agora
e isso provavelmente se deve ao fato de que a morte não combina nada com você
minha breve
e tão querida
amiga