domingo, 7 de fevereiro de 2016

O verdadeiro terror


Em 2010 eu saí de uma casa superlotada e fui morar sozinho em SP.
Lá, vivi num cubículo sem janela.
O ralo do meu banheiro era um rombo indiscreto que fedia o fedor de todas as casas da vizinhança. Meus vizinhos passavam o dia inteiro fora, cumprindo tarefas que odiavam. Só quando eles cagavam (a merda de um dia inteiro) eu notava suas presenças.
Eu dormia num colchão no chão e a casa era infestada por baratas. Eu me alimentava de água com farinha de milho, cerveja barata e literatura. Eu e meu violãozinho velho.

Desnutrido, recém-traído, sozinho naquela cidade, eu me fechei no meu mundo imundo. Eu andava pelas ruas completamente transtornado e sentia raiva de quem se alimentava.
Eu emagreci 20kg, perdi cabelo e sanidade.
Eu sofria alucinações.
Eu sentia baratas no meu corpo. O tempo todo.
Eu lia Dostoiévski de cueca no chão sujo. Coava a mesma borra de café até três vezes.
A TV de 14 polegadas do antigo morador estava quase sempre ligada, mas nunca com som.
Me apaixonei algumas vezes nesse período, mesmo notando minha decadência iminente. (Elas se preocupavam comigo.)

Cortaram minha luz. Era inverno. Chuveiro elétrico.
Eu passei três semanas tomando banho gelado, lendo Balzac no escuro, iluminando as páginas com uma lanterninha até que acabasse a bateria.
Eu havia acumulado, ao longo do ano, roupas molhadas num tanque. Tudo apodreceu e se tornou toca para inúmeras espécies de inseto. Era meu corpo se livrando da velha carapaça.

Eu pensava ser seguido e espionado. Eu conectava todas as pessoas da rua numa complexa trama contra mim. Eu não tinha telefone nem internet. Não tinha facebook. Eu não sabia o que era um meme.
Eu cheguei ao fundo escuro de um estado neurótico-obsessivo.
Eu tentei suicídio duas vezes.
Eu comi uma puta sem camisinha num inferninho de beira de calçada popular em Osasco numa terça-feira.
Eu era protagonista e vitima da minha tragicomédia cotidiana.
Eu sentia muito ódio. Eu. Muito.

Mas nada disso me preparou pro verdadeiro terror humano, que são os comentários em portais de notícia.



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