terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Treives

     Segundo andar de um prédio, amplo salão retangular de 384m². Há janelas por toda a extensão das paredes. Janelas largas de vidro que abrem para fora formando um ângulo não maior que 45°. O teto é todo em abóbadas que abrigam lâmpadas fluorescentes. O chão é frio e parece muito encerado, refletindo de modo opaco a claridade das lâmpadas. É noite.
     Um silêncio suspeito preenche o ambiente. Um silêncio que só é silêncio por limitações do nosso ouvido. Um silêncio que abriga infinitos ruídos e formas e cores e texturas e treives imperceptíveis aos cinco sentidos.
     Há somente duas pessoas no amplo salão. Na extremidade esquerda, uma mulher pequena, sentada atrás de uma pequeníssima mesa; na outra ponta, um rapaz avermelhado, de traços indígenas. Tem o cabelo liso, na altura dos ombros.
     A mulher permanece estática, ao passo que o jovem examina com curiosidade as vastas paredes e janelas e todos os detalhes do espaço em que se encontram. Aquilo tudo parece grandiosíssimo ao jovem que demonstra não ser da capital. Ao se aproximar de um pequeno móvel de madeira rústica, sem nenhum atrativo artístico, quase tocando-o com a ponta dos dedos, ouve um zumbido altíssimo, digital. É uma campainha, acionada pela mulherzinha em sua cadeira.
     O rapaz se afasta do móvel e olha na direção da mulher que agora parece um pouco velha; usa óculos e tem o cabelo tingido. Ela o encara tão fixamente, da lonjura de sua mesinha, que o rapaz sente culpa. Se encaram por alguns segundos que fazem com que o silêncio pareça ainda mais pesado, talvez por — apesar das amplas janelas — estar confinado no salão, como se condenado. O pesado silêncio brota, não reverbera no piso graças à cera, é emancipado e ecoa nas abóbadas do teto, criando um moto-contínuo.
     O rapaz sente uma tontura fortíssima. Busca uma cadeira, mas quando a alcança, a campainha soa mais duas vezes, a primeira como uma advertência, a segunda como uma ameaça; ele não entende, está tonto demais e, ignorando o zumbido ameaçador, senta-se na cadeira que há poucos minutos parecia não estar lá. 
     Respira fundo. Fecha os olhos.
     Pode, então, ouvir pela primeira vez a suspensão desse silêncio terrível. Constata que a mulherzinha se levantou — os pés da cadeira arranharam o piso — e ouve seus passinhos curtos se aproximarem de modo petulante. Ele ainda tem os olhos fechados.
     Os passinhos finalmente cessam. Ela está nitidamente muito perto. O rapaz avermelhado percebe a brisa que sopra lá fora, estimulando o encontro de algumas folhas de árvores. O ar esfria um pouco. Uma moto passa roncando, pessoas conversam e riem na rua. Ele abre os olhos, já está bem.
     Então a moça, sorrindo, pergunta: "Posso ajudar?".

Nenhum comentário:

Postar um comentário