quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

álcool

os bêbados não consideram o dia
que sempre chega
e continuará chegando,
para a felicidade ou não
do bêbado.

é no dia que ele se redime,
se envergonha, se cala,
acerta ou não
suas dívidas recentes,
telefona, lava o rosto,
sente fome, raiva…
sobretudo vergonha.

é durante o dia que o bêbado
(de ressaca)
se pergunta,
que diabos aconteceu ontem?
tenta juntar algumas peças
já sabendo que será impossível.

lembra da garota sem cabelo
e de seu namorado sem cabelo
uma jukebox
uma boca
cabelos
álcool
dança
(a dança é memória afetada)
e passos que levam embora
para o dia.

se soubesse o dia
o bêbado se manteria sóbrio
mas a ideia do dia é algo distante
porque o bêbado não deseja o dia
(jamais deseja o dia.)
o bêbado deseja que a noite se prolongue
(mas não também.)
o bêbado deseja encontrar cicuta
em seu copo.
e assim como não sabe o dia
o bêbado não compreende esses rostos
à sua frente.

todos
os
bêbados
num
pacto
quieto
improvável
se…

mas não.
logo em seguida o bêbado acorda em casa e se pergunta
eles só querem se esconder.
talvez no copo.
minúsculo
frágil
estúpido.

o bêbado troca de copo
mas não de veneno
aliás, acrescenta um mais forte.
sugestão da garota
que se senta ao seu lado,
o corpo dizendo “me fode”,
totalmente entregue ao bêbado
(ela também vai alta)
mas o bêbado não se importa.
se cansou.
está farto do jogo.
sabe que é melhor assim
e sente até um orgulho em ignorá-la.
bem, não totalmente, porque eles conversam
riem
beijam
dançam
(a dança é memória afetada)
pedem mais uma,
a garota com seu corpo dizendo
“me fode a noite inteira”
e nada foge – ainda – aos olhos do bêbado
e ele permanece seco
apoiado no balcão
de frente para a garrafa
e os copos
e a possibilidade de se embriagar até o fim.

a garota
segue tentando.

o bêbado sorri,
triste.
a garota pergunta “o que foi?”
e o bêbado diz
(ainda rindo)
que se lembrou
de um negócio absurdo.
a garota duvida,
errônea,
em vão...

a conta vai alta.
ele não tem dinheiro
e a garota sabe disso
e pergunta
“outra?”
os vermes alcoólatras se agitam dentro do bêbado,
que não esconde o sorriso quando diz “por mim…”
e a garota, com aval
pede mais uma ao garçom
que respeita o bêbado
e se lembra
(mas não fala)
da vez em que o bêbado esteve lá
e se envolveu numa briga homérica
onde voaram cadeiras, mesas,
garrafas vazias
e
o garçom bem que tentou cobrar os reparos
mas o bêbado
linchado
questionou e disse
“só vou pagar pelo que eu bebi.”
e pediu a calculadora
e somou
e pagou.

mas agora existe essa garota.
matéria-prima
obra-prima
que o bêbado – bêbado –
meio que despreza
e
em algum momento surgem os amigos dela
de surpresa
então dividem a mesa, espantados com a sede do bêbado
que tem sede de morte
e escancara isso pra fazer graça.

que diabos aconteceu ontem?


tenta juntar algumas peças,
já sabendo que será impossível...


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