terça-feira, 25 de março de 2014

O sofá


Emanuel Filho é homem honesto, incapaz de cometer um mínimo ato imoral. Ama, acima de tudo (e até acima de Deus), sua mãe Juracir, mulher guerreira e ignorante – esse fato Emanuel ignora.
Aos 46 anos, Emanuel Filho atingiu o ápice da carreira profissional, tornando-se zelador do Edifício Residencial Paineiras. E conseguiu, finalmente, após árduo trabalho honesto, presentear sua mãe com um novo sofá; afinal, pensava Emanuel, aquela mulher batalhadora merecia (como ninguém) repousar em paz.

O cubículo ao lado do bicicletário C-2 era suficiente para a vida e poucos pertences de Emanuel Filho. Homem discreto e passivo, não recebia visitas; seu único vínculo social era justamente com Dona Juracir, a quem visitava quinzenalmente, nas folgas. 
Ao não perceber que sua humildade havia se tornado submissão, Emanuel Filho pedia licença como quem pede desculpa ao entrar na casa da mãe, que – viúva e silenciosamente envergonhada pela vida do filho – recebia-o sempre com certa impaciência e aflição. 
      
– Já tá ficando tarde, Filho, é melhor você ir indo antes que escurece. Ainda é capaz de pegar um resfriado andando por aí.

E Emanuel, 46 anos, assentia, julgando ingenuamente aquilo como nobre preocupação materna. 

– Eu te amo tanto, mãezinha. No dia que a senhora se for, não sei nem o que vai ser de mim. – gemia, abraçando-a de modo dramático.

Até que certo domingo, dia de visita, a vital questão de Emanuel Filho foi posta à prova.
Juracir não atendeu a campainha (por sinal, sempre tocada com muito zelo, inofensivamente, quase imperceptível). E não atendeu porque enamorou-se e foi morar na casa de Dorival, parceiro de dança aos sábados, parceiro secreto de paixão operária há três anos.  
No portão humilde da casa (grande demais para uma só pessoa) era possível notar a placa formal: "ALUGA-SE", e o número da imobiliária. Do lado de fora, na calçada, alguns móveis velhos já castigados pela chuva, quadros sem moldura, um fogão... e o sofá – aquele; escolhido com tanto cuidado. 
Nenhum bilhete. Nenhum aviso. Nenhum sinal.


Emanuel Filho sentou-se no encosto do sofá abandonado, tentando compreender.


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