terça-feira, 11 de março de 2014

Jaz

 
          O carro vai fluente pela avenida úmida. Ela dirige. Estão a caminho de um aniversário; amiga não muito próxima, mas o que se há de fazer?
Vão em silêncio. O relógio mostra 21:13 – a festa marcada pras 19:30h. É que se demoraram num sexo mal resolvido, ela perguntando “por que o teu pau ficou mole?”; “sei lá, perdi o tesão”, já vestindo a cueca, rumo ao banheiro.
Da cama, um resmungo  "perdeu o tesão por mim?" –, que ele responde negativamente, para si. Liga o chuveiro, fecha os olhos e deixa a água fluir pelas costas, sentindo aquilo. Em silêncio, logo ela surge e se ocupa do espaço vazio no box.
Agora vão quietos pela avenida. Choveu a tarde inteira, o asfalto úmido brilha. Dave Brubeck tenta preencher o oco do carro com seu jazz cinco-por-quatro, ele de ouvido atento, ao ponto de perceber que por trás desse jazz existe um pesado silêncio e por trás ainda desse silêncio, um berro muito agudo e aflito é ensaiado.
Sexta-feira. 14ºC. A chuva torna a cair; vem lentamente, em garoa, engrossa muito depressa e não há tempo dele evitar que a água invada o carro, encharcando boa parte do seu blazer de segunda mão. Ligeiro, procura a maçaneta. Não acha. É vidro elétrico, acionado direto do painel. Lembra disso, enfim, e mete o dedo comprido no tal botão, derrotado, os pingos grossos massacrando o jazz e o silêncio e o blazer e todo o resto.
Ela dá seta, olha o retrovisor e lentamente ganha a pista de alta velocidade. Estão atrasados. O silêncio torna a reinar  a chuva cessa num repente – e é possível que todos esses sons e silêncios e confusas conclusões sigilosas tenham passado despercebido por ela, talvez distraída ou concentrada demais. Ele não pergunta.
No lugar marcado, ninguém realmente anseia por suas presenças.



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