quarta-feira, 23 de março de 2016

um grito na noite


o que nós fizemos?


um vidro quebrou
uma cadeira caiu
o gato rosnou
e então um grito alto,
daqueles que vêm de dentro da alma

"almas não gritam", ele diria.

o corpo com fome grita
a garganta seca grita
o filho abandonado grita
o corpo com ódio grita

mas alma não grita.

a alma está entre o estômago e o coração.
não é um órgão ou glândula,
mas está lá, espremida.

o estômago vazio grita
o coração inerte grita
o gato adestrado já não grita 
a falta de espaço provoca o grito.

o que poderia ter sido,
os passados possíveis...
     um eco.


então uma gaveta se abriu,
ele mexeu nos talheres
e foi aí que o corpo caiu no chão.

e a esposa?

demorou um pouco.
ela abriu uma porta,
veio andando depressa
e quando chegou na cozinha
deu o grito mais assustador que eu já ouvi na minha vida.


os vizinhos distantes também ouviram
mas seguiram suas novelas.

afinal, foi só mais um grito na noite.







Um comentário:

  1. te fiz uma visita aqui, outro dia, sem alarde.
    feliz por te encontrar tão ativo na escrita;
    feliz pelo resultado bonito da música que você faz, por estar brilhando como imaginei, ainda em 2009, que brilharia.

    muito louco porque hoje, especialmente hoje, pensei em você - uma dessas viagens involuntárias ao passado - e senti uma nostalgia triste, levinha e bonita.

    te abraço o abraço que nunca dei, leo da lice!

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