terça-feira, 8 de março de 2016

isso não é um poema



durante os últimos nove anos da minha vida eu fiz abuso constante de álcool.

não tô falando sobre ir pra balada no sábado e beber umas tequilas.
eu tô falando sobre dependência química. alcoolismo.

nove anos.
dos 17 aos 26
tendo o álcool como companhia,
muleta.

caí muitas vezes. muitas.
perdi amigos, me afastei.
fugi da família, me escondi.

nove anos vendo o álcool arruinar meus dias, meu corpo.
nove anos passando vergonha em público.
nove anos num buraco que eu teimava romantizar.

admiti logo cedo minha fraqueza perante a doença.
tá,
e agora, José?

passei, acredito, por todas as fases do alcoolismo.
da adaptação à paranóia.
da negação à depressão.
da barganha ao fundo do poço.

no sofá, sozinho, em pânico.
semanas sem sair de casa,
sem abrir a cortina (um cobertor na janela)
cancelando compromissos, aulas.

a doença me causou delírios e alucinações.
ódio do mundo.
fome.

exilado. mutilado.
eu tinha tudo pra ser só mais um bêbado fodido
ou um número na lista de suicidas.

muita gente desacreditou.
disseram até que eu tinha virado mendigo,
acredita?

mas sempre carreguei comigo o amuleto.

o meu poder superior:
a Música.

foi a Música que me manteve vivo, lutando.
foi pela Música que decidi não me matar naquele dia
com a faca engordurada na garganta,
na cozinha do meu calabouço, sozinho.

(meu corpo seria encontrado dez dias depois)

mas a música não era suficiente.
ou o amor por uma mulher.

busquei ajuda.
psicológica e psiquiátrica.
nove anos depois.

gastrite, traumas, obsessões, calvície.
cansei de sofrer.
cansei.
chega.

parei de beber há cinco meses.
já recaí algumas vezes
mas sigo firme.
vivo.

tenho a Música como religião
o boxe como forte aliado
e pessoas que me protegem de mim mesmo.

eu, que tanto me fragmentei.
que fui vítima e carrasco.
autor e personagem.
criador e criatura.

percebi, afinal, que corpo e mente não são departamentos distintos.

e eu  sempre eu  não sou vários, como costumava dizer.
sou apenas um.
na lama elétrica da vergonha ou no palco,
sob o foco do refletor principal.

sempre eu.

sem pagar simpatia.
a vida segue amarga.
a vida segue.
eu sigo.
sóbrio.

sobrevivente.



Nenhum comentário:

Postar um comentário