sábado, 22 de abril de 2017

cidade



ando pela Grande Cidade com um grande guarda-chuva em mãos
me sentindo meio-pateta
meio-Gene Kelly no auge
com gosto de Halls preto e prato-feito azedo na boca.

aceno para parte do meu passado,
muito já não está.

a locadora virou farmácia
a padaria é agora uma barbearia pós-moderna
o drive in fechou

apenas aquele velho emblemático
permanece
em sua casa emblemática.
com um relógio de ponteiro em mãos,
manipula o tempo dos homens e mulheres com pressa

estou duas horas adiantado.
saí com desnecessária pressa da casa emprestada
e ando agora com desnecessária pressa
nesse enorme túnel do metrô
ultrapassando transeuntes como Senna
no Grande Prêmio de Mônaco, 1989

(começa a chover)

versos de poesia portuguesa pululam na memória,
sua boca vermelha perfeitamente desenhada me recitando os versos densos,
mas é com leveza que você lê.
seus olhos orientais me desorientam um pouco
e seu sorriso pequeno que brota entre-estrofes me ilumina e cega.

você não está aqui agora.
você esteve ontem e quatro anos atrás.

(aumenta a chuva)

a voz metálica do metrô garante estar tudo bem.
eu não acredito, mas o que há de se fazer?

preciso devolver as chaves da casa e é isso que faço agora
aflito entre-versos:
os portugueses,
os da cidade,
os seus,
esses.


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