terça-feira, 12 de julho de 2016

às tantas



então
é por isso que as pessoas regam plantas
                         e levam seus lixos pra fora
                               e recorrem a um Deus
                                               e têm filhos…
e é por isso que os pais abandonam seus filhos
e os filhos procuram os pais por toda a vida
                                        em outros rostos          
                                            e identidades
e ao encontrarem se decepcionam e choram.

é exatamente por isso que alguns cometem
suicídio e fogem, enlouquecem, erguem prédios
e escrevem poemas se queixando disso
(…)
frequentam puteiros, enchem a cara de valium
ganham estradas, perdem o orgulho,
brocham.

é por você que homens tacam fogo em seus próprios olhos
e transtornam avenidas nus e passam a noite em cana
e sustentam as têmporas com um gole de vinho
e enxergam afluentes nascendo da pele frágil
martirizada por canivetes cegos que foram úteis na estrada quando a única opção era manga verde do pé.

é por isso que marcam-se obras-primas.
comemora-se a taça ou recordes

é por isso que as mulheres tomam anti-gases e compram revistas descartáveis
e alisam o cabelo descartável e disputam o amor descartável com uma faca sob a saia.

por isso tantos documentários sobre 
fome, guerra, capitalismo, aborto, Hitler, carros, equilibristas, mamutes, répteis
depressão,
                 incompreendida pelos que nunca sentiram isso, então seguem
regando plantas, tecendo netos, unindo e destruindo lares,
colocando seus lixos pra fora, recorrendo a um Deus…
confortáveis, 
em consignação, à espera da extrema unção que redimirá
seus pecados secretos que sequer são excitantes..

é disso que as baratas se alimentam.
é por essa fresta que entram répteis com sorrisos injustos
roubados de homens ensandecidos que não queriam o aborto
mas tiveram sua sorte abortada por mulheres aparentemente 
frágeis e
doces.

por isso as pontes são tão altas
e os esgotos tão escuros.

por isso tantos idiomas, tantas crenças, tantos mantras, tantos filmes, tantas palavras…
por isso a incompreensão absurda sobre um fato simples,
o choro,
o aborto.

por isso os filhos seguem buscando seus pais por toda a vida;
em corpos, copos, cabelos loucos, olhos opacos,
peles insípidas, putas em alemão,
valas sujas, rodoviárias, borracharias, bares,
quartos de hotel,
                     o susto de um alce em meio ao silêncio suspeito da floresta.

por isso estou aqui,
por isso tantas palavras.

para espantar isso
que insiste em chegar
quando o equilíbrio já acena como um velho camarada…

e foi justamente isso que estiou a tempestade de lágrimas
por tempo indeterminado.

bom.
sem lágrimas.
é mais fácil assim.

enfrentando
com olhos brutos

e prontos.


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inverno, 2012, São Paulo/SP                                                                                                                                               

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