sexta-feira, 24 de maio de 2013

a morte do amigo

era uma pessoa incomum o meu amigo.
se não choro sua morte – ainda – é porque sei que ele não choraria se a soubesse.
e sei também que ela veio a seu convite.

preciso ser breve.
sei que em instantes vou compreender sua morte. e desabarei.
então chorarei ininterruptamente.
chorarei por saber o que só eu poderia saber. chorarei porque fui sua última testemunha. chorarei porque vi seus olhos imprudentes e destrutivos
naquela noite.
chorarei por ter recebido a notícia cinco dias depois de consumada a sua morte.
chorarei porque era ele, e meu choro tem permissão para ir e vir.
chorarei lembrando do que só eu poderia lembrar.
nossas aventuras imaturas desbravando o país; chorarei nossos momentos de caos e ordem.
até os debates insuportáveis terão mais harmonia em meu pensamento triste.
chorarei por ter adivinhado sua morte, sendo o telefonema apenas a confirmação.
chorarei pensando que poderia ter impedido.
(sei que não poderia.)
e seria injusto porque era a sua vontade.
e sempre dói pra quem fica.
ainda dói sem lágrimas e sei que essa dor ainda não é dor.

poderia ter sido daquela outra vez, poderia ter sido na praia, poderia ter sido naquela casa absurda, naquela vila de pescadores,
do alto daquela cachoeira – aqui teria sido eu –, poderia ter sido soterrado, por tiros no meio do mato, overdose, suicídio… até que demorou.
nós a procurávamos juntos. incessantemente.
a morte.
ele a encontrou. e talvez volte para me dizer “olha, desencana, é a mesma merda, só que morto” e eu diga “ah, tudo bem, então vou ver se encontro algo pra fazer por aqui, forte abraço”.

respiro.
impeço que os olhos façam seu trabalho.
está quase na hora.
sua morte merecia o melhor dos poemas, mas a vida também não anda fácil.
bloqueio os olhos mais uma vez.
mas é inútil. as lágrimas virão. aliás, já estão aqui,
à espera do ponto final.

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