domingo, 25 de maio de 2014

Encontrinho (Micro-conto tragicômico)


Entediado, sentei num ponto de ônibus e fingi esperar. Notei um homem sentado no extremo oposto do ponto, mas não olhei diretamente. Uma terceira pessoa estava ali; senhora oriental sem bunda, trajando calça de helanca. Logo esticou o bracinho curto e seguiu seu rumo.

Minutos correram, pessoas chegavam e iam. Apressadas, distraídas, cansadas, produzidas, corretas, com ou sem mochila nas costas... Mas o homem do início da história seguia ali, podia vê-lo pela visão periférica. Fingi então acompanhar um carro que cruzava a avenida à nossa frente, pretexto para olhar na direção do meu companheiro misterioso.

Dei uma encarada rápida e logo desviei o olhar. Acho que não notou. Era um homem esguio, a pele meio escura e, assim como eu, de aspecto maltrapilho.

Olhei de novo, dessa vez sem pudor, e nossos olhos se cruzaram. Quebrei o silêncio.


 Tá esperando há muito tempo?  perguntei, tentando segurar o riso.
 Há muito tempo  respondeu, tentando segurar o riso.
 Ah, sim, e tá esperando qual ônibus?  perguntei, quase gargalhando.
 To esperando o… Pinheiros!  ele disse, quase gargalhando.
 O mesmo Pinheiros que já passou umas cinco vezes?  eu já não segurava a risada.
 Esse mesmo!  disse meu mais novo amigo, gargalhando.
 Prazer, Ulisses  menti.
 Prazer, Gustavo  mentiu.

A despeito disso, nosso aperto de mãos foi firme e sincero, mas logo em seguida surgiu um breve constrangimento mútuo. Tornei a olhar para o nada, meu amigo certamente olhava para o lado oposto. 


 É foda…  tentei consertar o triste mas inevitável clima fúnebre.
 É…  disse ele, percebendo.
 Tá fugindo do quê?  perguntei, mas soou falso.
 Oi?


Meu amigo pareceu realmente não entender o sentido da pergunta, e seu sincero espanto ao dizer Oi? me deixou ainda mais desconcertado.


 Ah, você sabe, nós dois aqui, sentados, sem perspectivas, esperando o fim do dia, fingindo esperar o ônibus, vendo o tempo passar…  acrescentei, como se a situação ainda pudesse piorar.
 Não, cara, eu não sei do que você tá falando, não...  terminou a frase já de pé, tentando enxergar o ônibus que se aproximava.

Eu, não exatamente querendo criar um laço fraterno, apenas tentando dissolver tal teatro tragicômico, levantei também e, sem perceber, me aproximei muito do meu amigo, tão assustado. 


 Relaxa, cara, eu não sou desses que ficam caçando assunto na rua, pode acreditar, só quero esclarecer esse mal entendido.


Estávamos realmente muito próximos.

Dando alguns passos para trás, quase caindo da calçada, meu amigo tentou se esquivar:


 Tá bom, cara, sem problemas, mas eu vou indo agora, meu ônibus chegou.  E estendeu seu comprido braço para o ônibus Jardim Miriam.

Nunca mais vi esse homem.



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