então
é por isso que as pessoas regam plantas
e levam seus lixos pra fora
e
recorrem a um Deus
e
têm filhos…
e é por isso que os pais abandonam seus filhos
e os filhos procuram os pais por toda a vida
em outros rostos
e identidades
e ao encontrarem se decepcionam e choram.
é exatamente por isso que alguns cometem
suicídio e fogem, enlouquecem, erguem prédios
e escrevem poemas se queixando disso
…
frequentam puteiros, enchem a cara de valium
ganham estradas, perdem o orgulho,
brocham.
é por você que homens tacam fogo em seus próprios olhos
e transtornam avenidas, nus, e passam a noite em cana
e sustentam as têmporas com um gole de vinho
e enxergam afluentes nascendo da pele frágil
martirizada por canivetes cegos que foram úteis na estrada
quando a única opção era manga verde do pé.
é por isso que homens marcam obras-primas.
e comemoram a taça ou festejam recordes
é por isso que as mulheres tomam anti-gases e compram
revistas descartáveis
e alisam o cabelo descartável e disputam o amor descartável
com uma faca sob a saia…
por isso existem tantos documentários tendenciosos
e por isso existe a depressão, incompreendida pelos que
nunca sentiram isso, então seguem
regando plantas,
confortáveis, vivendo em consignação, à espera da extrema
unção que redimirá
seus pecados secretos que sequer são interessantes.
é disso que as baratas se alimentam.
é por essa fresta que entram vagabundas com sorrisos
injustos,
roubados de homens ensandecidos que não queriam o aborto
e que tiveram sua sorte abortada por mulheres aparentemente
frágeis e
doces.
por isso as pontes são tão altas
e os esgotos tão escuros.
por isso tantos idiomas, tantas crenças, tantos mantras,
tantos filmes, tantas palavras…
por isso a incompreensão absurda sobre um fato simples, o
choro,
o aborto…
por isso os filhos seguem buscando seus pais por toda a
vida;
em corpos, copos, cabelos loucos, olhos estranhos,
peles insípidas, putas que forjam em alemão,
rodoviárias, borracharias, bares,
músicas, quartos de hotel, o susto de um alce em meio à paz
suspeita da floresta.
por isso estou aqui,
por isso tantas palavras…
para espantar isso
que insiste em chegar,
mesmo quando o equilíbrio acena como um velho camarada…
e foi justamente isso que estiou a tempestade de lágrimas
por tempo indeterminado.
bom.
sem lágrimas.
é mais fácil assim.
enfrentando isso com os olhos brutos e
prontos.
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