não é só isso, amigo.
é já ter compreendido o filósofo,
é saber destrinchar uma intenção
perfeitamente,
é não encontrar dificuldades em levar uma mulher à cama e
conseguir prever todas as palavras que sairão daquela boca
vil
é estar vivo, com pernas que funcionam e dedos que apontam.
é ter rompido a placenta e ainda assim não compreender
nada
quando ela sai pela porta levando sua toalha e
todas as outras tralhas que me faziam companhia em
noites como essa.
sua bicicleta atravancando a cozinha já tinha até
conquistado seu espaço
e parecia não mais atrapalhar,
aliás,
sua bicicleta já fazia parte da minha mobília precária.
sua vermelha toalha pendurada era como uma charmosa cortina
de sublime tecido.
seus cabelos como água-viva espalhados por toda a casa…
bem, ainda tenho o filósofo, a cama, a boca
e palavras que me salvam em
noites como essa,
onde já sei tudo e conquistei tudo
mas pareço um leproso ao espelho.
nessas noites de vinte e quatro horas e cupins.
nessas noites de comprimidos.
noites de faca afiada, noites de martírio, de auto-piedade,
noites que se parecem em muito com noites.
noites de tuberculose.
aneurismas.
de culta incompreensão dos fatos,
de sábias palavras inúteis, de podres metáforas pedantes,
noites de úmido frio e insônia.
noites sem ela ali,
desfilando sua nudez a pedido meu,
enquanto me espalho pela cama sentindo esse breve amor
que uma toalha vermelha
é
capaz de enxugar.
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