terça-feira, 2 de setembro de 2014
poema pra fora
me sinto meio-nada, meio bicho-arisco
e arrisco dizer:
prefiro passar fome a comer o pão que o diabo amassou!
mas existem os gatos e existe Ela,
que faz questão da sua manteiga
e porções diárias de carne.
então engulo com nojo e pressa a comida que me resta
e saio da toca, atento
e sou obrigado a encarar cadáveres
perambulando por inércia,
ouvir suas preocupações,
sentir o cheiro,
confrontar suas carrancas assombrosas.
minha metade bicho-arisco se eriça,
expõe as garrinhas,
evita contato visual.
minha metade-nada vaga também como cadáver
e leciona,
sorri,
mascara a própria carranca.
sem opção
(me falta um amigo)
volto pra minha toca no subúrbio.
é sempre assim.
mas hoje saí mais cedo
e toquei a textura fria
da manhã
hoje encarei com bons olhos alguns simpáticos cadáveres
e me acalantei na voz metálica que ecoa no silêncio sereno do ônibus.
testemunhei sem pressa rotinas medíocres –
mas leves.
sorrisos até humanos.
ofereci meu lugar a um velho,
rejeitou.
aceitei.
percebi que a vida – rara e rarefeita – desperta às vezes.
percebi que dum inesperado encontro matinal entre velhas senhoras brota o sol.
mas é claro, não constará nas enciclopédias.
por isso agora recrio.
esse encontro anônimo, essa manhã rara, rarefeita
que me conduziu por fim a um boteco sujo onde comi lixo engordurado e lembrei ao que pertenço.
volto à toca.
no subúrbio.
vomito o engodo otimista e
me torno bicho-arisco
outra vez,
inevitavelmente.
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