segunda-feira, 29 de setembro de 2014
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
cinzas
desejo
é
fênix
(inflama fatal,
renasce) inflama
e renasce.
(inflama
e
renasce)
(inflama renasce)
(inflama renasce)
(inflama renasce)
(inflama
renasce)
inflama
e
morre.
e
morre.
(sobram cinzas)
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
sábado
é sábado.
faz sol lá fora.
(isso quer dizer: faz um belo dia
lá fora.)
crianças brincam, correm, gritam.
eu aqui dentro, em silêncio,
têxtil, táctil,
imóvel.
a histeria coletiva berra muda:
vai pra fora!, faz sol!, é sábado!
percebo:
todos os dias há sol, todos os dias são dias.
o que as crianças comemoram é a ausência de nuvens.
a ausência da aula,
a permissão pra brincar,
soltar gargalhada.
não me baseio na ausência de nuvens.
vivo quando consigo.
seja inverno, sábado,
feriado ou março.
hoje nada me obriga a sair de casa.
nem palestra, cerveja ou concerto;
tampouco ser sábado,
ou o sol
lá fora
(...)
domingo, 21 de setembro de 2014
poema-transe sobre obra de Agustín Barrios
I
o nylon me abraça
acalanta
entrelaça tango sol
Sudamérica
passeio ruas estreitas
paralelepípedo
pedra morna
não compreende
(pedra)
reverbera a intenção
vibrato
desliza
liso veludo
cheiro o mar
o sol de um ângulo novo
morno
vejo as rugas do sol
nas cordas do violão
II
a música me salva mais uma vez
me tira daqui
não existo
ainda
adormeço sentidos
todos
e sentado
sinto o éden
em mim
III
ouço a noite.
respiramos
meu estômago tenso só digere som
abraço a noite
que geme
não respiro.
meu estômago oleoso contrai
contrariado por um mi bemol meio-diminuto
que se resolve como truque de mágica a olhos curiosos (incrédulos, analíticos)
aplaudo a miragem noturna
(respira)
fecho os olhos
e vôo
IV
dança comigo
vem
seu vestido me roça
pego sua mão
deslizamos pelo salão amplo
( ( ( ( ( ( eco ) ) ) ) ) )
lustre
(lustrado
ilustre
etc.)
a melancolia é inevitável.
(uma porta bate e me desperta do transe)
(perco você, musa invisível
inviável)
a música brota do piso
mármore encerado
amor
encenado
em compasso três por quatro
é valsa, querida
dança comigo
vem
V
o querosene da memória queima
a goteira da realidade respinga
o milagre da música permanece imbatível
agudo
sombrio
lúbrico
esse
três-por-quatro me mexe
(todos nós)
em festas debutantes
casamento
o fim
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Carta ao pai
Pai,
recentemente você demonstrou certa preocupação com minha saúde mental. Alegou que eu andava bebendo demais e gastava todo meu dinheiro com o álcool.
Engraçado, não lembro de ter conversado com você recentemente. (Será o efeito do álcool?)
Na verdade, as coisas que você anda falando sobre mim, ouvi de terceiros.
Pai,
eu sei que você tem medo. Que quer o melhor pra mim.
Eu sei que você teme pelo meu futuro.
E teme que eu me torne um homem fracassado e passe a vida sendo sustentado pelos outros.
Você teme, talvez, que eu faça vários filhos e não cuide de nenhum.
Você teme que eu me entregue às drogas e talvez num domingo de sol leve meu filho mais novo morro acima pra comprar crack comigo,
e teme também que eu suma um dia antes do aniversário dele e reapareça vários dias depois, sem presente, sem explicação, sem coragem de olhar no olho.
(Você teme que eu seja um covarde.)
Eu sei: você não quer que eu me torne um velho amargo,
que nunca fez nada útil com a própria vida;
que se considera um gênio, mas na verdade é um racista conservador e preguiçoso que passa o dia em frente à televisão remoendo ilusões.
Que parou no tempo e vive do mesmo repertório.
As mesmas piadas, os mesmos temas e argumentos...
Eu sei. Você teme.
Você quer o melhor pra mim.
Mas,
Pai,
fica tranquilo.
Eu jamais me tornarei essa pessoa.
Sabe, eu aprendi muito com você.
E você se tornou um exemplo pra mim:
Um exemplo do que não ser.
Um exemplo do que não ser.
Um exemplo do que não ser.
Um exemplo do que não ser.
Um exemplo do que não ser.
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
três tiros na barriga
saio sem saco do serviço. os dois sacos. o que segura minhas bolas e o metafórico. saio esmagado e assim que piso a rua me assusto com uma moto que vem pra cima e com o brilho meio opaco da pistola que o garupa tira do bolso do casaco e me mete três tiros na barriga.
três tiros na barriga. o som meio abafado, mas a arma não é de brinquedo. não entendo. quem era? e por quê?
será a mando do velho do bar que ofendi ante-ontem na presença de duas belas damas por estar bêbado demais e não lembrar a senha do cartão na hora de pagar e o velho achar que eu tava tentando dar calote?
ou talvez aquele brutamontes que quase me matou porque eu ousei jogar uma sacola de lixo na sua lixeira.
ou a garota atormentada que acolhi em casa e tento curar mesmo sabendo que na verdade o que eu quero é ser destruído por ela.
então por isso aquele cara tossiu bem na hora que passou por mim naquele dia que eu fui até o orelhão telefonar pra minha amante cancelar o encontro porque minha mulher apareceu de repente em casa. e eu achando que ela ia pra Sergipe. sim. ele tossiu bem quando eu passei e uns metros depois tinha um homem parado fingindo mexer no celular.
foram eles.
a mando de quem?
dos estudantes que tiveram suas roupas e produtos de limpeza roubados por mim no dia em que resolvi me matar tomando 12 comprimidos com maconha e conhaque?
não. os estudantes são frouxos demais.
ou o namorado daquela bióloga que gostava de me mostrar fotos de cobras acasalando antes de começar a foda. a bióloga que tinha um mamilo na costela. problema hormonal. nada sério. deve ter sido ele. com certeza não engoliu aquele gemido que ela soltou enquanto fingia pra ele no telefone que tava estudando na casa da amiga. meu dedo mede dez centímetros. é claro que ela gemeu. fiz de propósito. meti bem devagar, aveludado, e quando notei que havia aceitado meu dedo dentro, arqueei os nervos e falanges dentro dela, que gemeu alto e riu e me deu um tapa e depois disse "você me paga!"
não sinto nada. minha barriga doeu e parou. agora ouço um zumbido. os carros passam sem som. ninguém me viu cair, caralho?
eu queria ter cometido suicídio, não morrer assassinado como alguém que deve.
que morte de merda.
não vou aguentar.
não quero.
aceito a dúvida.
talvez tenham matado o homem errado.
aceito me deitar no chão dessa avenida movimentada às nove da noite enquanto um cachorro meio torto vem me lamber a boca.
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
geometria
numa roda de três garotas ele chega. aborda a do meio.
meio? roda não tem meio.
roda é círculo, cacete.
triângulo. aborda o vértice.
(tá mais pra vórtice.)
veste-se de modo colegial
a garota.
"escuta, eu posso falar com você?
eu não vou te fazer mal.
eu só quero falar com você."
ela gira os olhos em espiral.
esbarra nas colegas,
catetos.
sendo ela hipotenusa.
(musa.)
muda, sorri vermelha e dá um passo.
linha reta
na direção dele,
que diz:
"eu trabalho na biblioteca.
eu sempre te vejo aqui esperando o ônibus.
eu chego mais cedo só pra poder te ver.
eu não vou te fazer mal.
eu só quero falar com você."
querendo sair pela tangente,
ela não diz nada.
sorri, meio encabulada.
na calçada cheia
de gente que passa,
indiferente.
ele não vai fazer mal.
ele só quer falar pra ela.
então pronto.
falou, tá falado.
agora se sente culpado.
não por ser casado,
mas por saber que seu amor
se tornou
quadrado.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
elogio
— de todos os caras que eu já fiquei, você foi o único que me fez chorar.
— pô, te peço desculpa...
— não, isso foi um elogio.
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
equilíbrio
há
quem
ande
sempre
sobre
a
l
i
n
h
a
_____________________
meu equilíbrio
é
um acúmulo
de
EXTREMOS
terça-feira, 2 de setembro de 2014
poema pra fora
me sinto meio-nada, meio bicho-arisco
e arrisco dizer:
prefiro passar fome a comer o pão que o diabo amassou!
mas existem os gatos e existe Ela,
que faz questão da sua manteiga
e porções diárias de carne.
então engulo com nojo e pressa a comida que me resta
e saio da toca, atento
e sou obrigado a encarar cadáveres
perambulando por inércia,
ouvir suas preocupações,
sentir o cheiro,
confrontar suas carrancas assombrosas.
minha metade bicho-arisco se eriça,
expõe as garrinhas,
evita contato visual.
minha metade-nada vaga também como cadáver
e leciona,
sorri,
mascara a própria carranca.
sem opção
(me falta um amigo)
volto pra minha toca no subúrbio.
é sempre assim.
mas hoje saí mais cedo
e toquei a textura fria
da manhã
hoje encarei com bons olhos alguns simpáticos cadáveres
e me acalantei na voz metálica que ecoa no silêncio sereno do ônibus.
testemunhei sem pressa rotinas medíocres –
mas leves.
sorrisos até humanos.
ofereci meu lugar a um velho,
rejeitou.
aceitei.
percebi que a vida – rara e rarefeita – desperta às vezes.
percebi que dum inesperado encontro matinal entre velhas senhoras brota o sol.
mas é claro, não constará nas enciclopédias.
por isso agora recrio.
esse encontro anônimo, essa manhã rara, rarefeita
que me conduziu por fim a um boteco sujo onde comi lixo engordurado e lembrei ao que pertenço.
volto à toca.
no subúrbio.
vomito o engodo otimista e
me torno bicho-arisco
outra vez,
inevitavelmente.
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