O
som leve do ventilador portátil não interrompe o silêncio tropical; pelo
contrário: intensifica-o. Todas as janelas abertas não dão vazão ao calor dantesco e atípico. As moscas vagam fartas pela merda dos gatos que, exposta ao
calor, fede o dobro.
A
cena é de dar inveja a qualquer escritor de sub-literatura policial. Não há mesa
de escritório ou arma, é verdade. Sento-me sobre um travesseiro murcho,
enrolado no chão, de costas apoiadas num sofá velho fedendo a vinagre.
Nesse
exato momento encontro-me suspenso na existência. Busco um tipo de paz
interior, mas as gotas de suor me escorrendo pelas costas distanciam qualquer
possibilidade. Esfrego as costas no sofá. O travesseiro se desenrola. Dou um
impulso com os joelhos, o corpo salta um pouco e tento nesse ínterim arrumar o
travesseiro, mas caio rapidamente sobre ele, ainda mais desfeito. Esmago os
dedos com o peso do corpo. Meu saco vai parar embaixo do cu, todo empapado de
suor. Um mosquito talvez cego tromba no meu nariz – desperto totalmente da paz
que vislumbrava. Descolo o saco do cu, enrolo o travesseiro outra vez, ajeito a postura,
fecho os olhos, respiro sentindo o diafragma cada vez mais relaxado, estico a
coluna, giro o pescoço e tento encontrar um ponto de fuga no negrume dos olhos.
O suor escorre. Muito. Tomo conhecimento de dobras até então ocultas no
meu corpo. Estou gordo. Levanto bruscamente, vou até o banheiro lavar o rosto,
cometo o erro crasso de olhar o topo da minha cabeça oleosa e calva. Ontem mesmo
eu era um cara bonito, com certa elegância. Pra onde vai a vitalidade? Escorre
como suor? Fede como merda de gato? Gira sem parar como o ventilador portátil?
É
impossível permanecer aqui. Visto uma bermuda limpa e uma camiseta fedendo a sovaco. Tudo bem. Recolho cinco sacolas de lixo antigo – uma delas furada, fazendo escorrer chorume pelo chão – e desço as escadas frias desse prédio
pacato onde moro.
A
rua parece o inferno.
Vago
tentando encontrar o diabo que enfim me libertará.
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10/2014
10/2014
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