Entediado, sentei num ponto de ônibus e fingi esperar. Notei um
homem sentado no extremo oposto do ponto, mas não olhei diretamente. Uma
terceira pessoa estava ali; senhora oriental sem bunda, trajando calça de
helanca. Logo esticou o bracinho curto e seguiu seu rumo.
Minutos correram, pessoas chegavam e iam. Apressadas, distraídas,
cansadas, produzidas, corretas, com ou sem mochila nas costas... Mas o homem do
início da história seguia ali, podia vê-lo pela visão periférica. Fingi então
acompanhar um carro que cruzava a avenida à nossa frente, pretexto para olhar
na direção do meu companheiro misterioso.
Dei uma encarada rápida e logo desviei o olhar. Acho que não
notou. Era um homem esguio, a pele meio escura e, assim como eu, de aspecto
maltrapilho.
Olhei de novo, dessa vez sem pudor, e nossos olhos se cruzaram.
Quebrei o silêncio.
— Tá esperando há muito tempo? — perguntei,
tentando segurar o riso.
— Há muito tempo — respondeu,
tentando segurar o riso.
— Ah, sim, e tá esperando qual
ônibus? — perguntei, quase gargalhando.
— To esperando o… Pinheiros! — ele
disse, quase gargalhando.
— O mesmo Pinheiros que já
passou umas cinco vezes? — eu já não segurava a
risada.
— Esse mesmo! — disse
meu mais novo amigo, gargalhando.
— Prazer, Ulisses — menti.
— Prazer, Gustavo — mentiu.
A despeito disso, nosso aperto de mãos foi firme e sincero, mas
logo em seguida surgiu um breve constrangimento mútuo. Tornei a olhar para o
nada, meu amigo certamente olhava para o lado oposto.
— É foda… — tentei
consertar o triste mas inevitável clima fúnebre.
— É… — disse
ele, percebendo.
— Tá fugindo do quê? — perguntei,
mas soou falso.
— Oi?
Meu amigo pareceu realmente não entender o sentido da pergunta, e
seu sincero espanto ao dizer “Oi?” me deixou ainda mais
desconcertado.
— Ah, você sabe, nós dois aqui,
sentados, sem perspectivas, esperando o fim do dia, fingindo esperar o ônibus,
vendo o tempo passar… — acrescentei, como se a
situação ainda pudesse piorar.
— Não, cara, eu não sei do que
você tá falando, não... — terminou a frase já de
pé, tentando enxergar o ônibus que se aproximava.
Eu, não exatamente querendo criar um laço fraterno, apenas
tentando dissolver tal teatro tragicômico, levantei também e, sem perceber, me
aproximei muito do meu amigo, tão assustado.
— Relaxa, cara, eu não sou
desses que ficam caçando assunto na rua, pode acreditar, só quero esclarecer
esse mal entendido.
Estávamos realmente muito próximos.
Dando alguns passos para trás, quase caindo da calçada, meu amigo
tentou se esquivar:
— Tá bom, cara, sem problemas,
mas eu vou indo agora, meu ônibus chegou. — E estendeu
seu comprido braço para o ônibus Jardim Miriam.
Nunca mais vi esse homem.
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