sexta-feira, 15 de julho de 2016

azia


escravo de mim mesmo
sou o rei do meu dia.

sentado no sofá-trono
            (torto)
em absoluta
                     letargia


terça-feira, 12 de julho de 2016

às tantas



então
é por isso que as pessoas regam plantas
                         e levam seus lixos pra fora
                               e recorrem a um Deus
                                               e têm filhos…
e é por isso que os pais abandonam seus filhos
e os filhos procuram os pais por toda a vida
                                        em outros rostos          
                                            e identidades
e ao encontrarem se decepcionam e choram.

é exatamente por isso que alguns cometem
suicídio e fogem, enlouquecem, erguem prédios
e escrevem poemas se queixando disso
(…)
frequentam puteiros, enchem a cara de valium
ganham estradas, perdem o orgulho,
brocham.

é por você que homens tacam fogo em seus próprios olhos
e transtornam avenidas nus e passam a noite em cana
e sustentam as têmporas com um gole de vinho
e enxergam afluentes nascendo da pele frágil
martirizada por canivetes cegos que foram úteis na estrada quando a única opção era manga verde do pé.

é por isso que marcam-se obras-primas.
comemora-se a taça ou recordes

é por isso que as mulheres tomam anti-gases e compram revistas descartáveis
e alisam o cabelo descartável e disputam o amor descartável com uma faca sob a saia.

por isso tantos documentários sobre 
fome, guerra, capitalismo, aborto, Hitler, carros, equilibristas, mamutes, répteis
depressão,
                 incompreendida pelos que nunca sentiram isso, então seguem
regando plantas, tecendo netos, unindo e destruindo lares,
colocando seus lixos pra fora, recorrendo a um Deus…
confortáveis, 
em consignação, à espera da extrema unção que redimirá
seus pecados secretos que sequer são excitantes..

é disso que as baratas se alimentam.
é por essa fresta que entram répteis com sorrisos injustos
roubados de homens ensandecidos que não queriam o aborto
mas tiveram sua sorte abortada por mulheres aparentemente 
frágeis e
doces.

por isso as pontes são tão altas
e os esgotos tão escuros.

por isso tantos idiomas, tantas crenças, tantos mantras, tantos filmes, tantas palavras…
por isso a incompreensão absurda sobre um fato simples,
o choro,
o aborto.

por isso os filhos seguem buscando seus pais por toda a vida;
em corpos, copos, cabelos loucos, olhos opacos,
peles insípidas, putas em alemão,
valas sujas, rodoviárias, borracharias, bares,
quartos de hotel,
                     o susto de um alce em meio ao silêncio suspeito da floresta.

por isso estou aqui,
por isso tantas palavras.

para espantar isso
que insiste em chegar
quando o equilíbrio já acena como um velho camarada…

e foi justamente isso que estiou a tempestade de lágrimas
por tempo indeterminado.

bom.
sem lágrimas.
é mais fácil assim.

enfrentando
com olhos brutos

e prontos.


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inverno, 2012, São Paulo/SP                                                                                                                                               

segunda-feira, 11 de julho de 2016

estria



nossa estria é um mosquito zunindo.

o poeta diria corda no pescoço
ou grilhões sobre os membros
mas não é assim tão vital.

é um cachorro mordendo o calcanhar
é tentar lembrar o que se esqueceu
e não lembrar
é rimar sem intenção.


só me enxergo com seus olhos e o que vejo é cruel.
nossa estria são cupins roendo meu ego
quando a noite cala.

com maestria você rege a orquestra fúnebre
do silêncio –
seu rosto se transformou,
parece borracha.

nossa estria são cupins roendo minha cama quando a noite seca.
                      
essa estria –
que embora às vezes quase suma –
                pode ser quelóide coronária
quando peço doses de Cynar
e só percebo na terceira dose
que essa é a bebida do nosso
primeiro ritual –
                e já aqui você dissimulava.

                               as estrias que você tanto tentou esconder
                               não se parecem em nada com as que
                               exponho agora


essas doem demais,
acredite

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inverno, 2012, São Paulo/SP                                                                                                            

não é só isso



não é só isso, amigo.

é já ter compreendido o filósofo,
é saber destrinchar uma intenção
perfeitamente,
é não encontrar dificuldades em levar uma mulher à cama e
conseguir prever todas as palavras que sairão daquela boca vil
e ser ídolo, ser exemplo…

é estar vivo, com pernas que funcionam e dedos que apontam,
é ter rompido a placenta e ainda assim não compreender
nada
quando ela sai pela porta levando sua toalha e
todas as outras coisas que me faziam companhia em
noites como essa.

sua bicicleta atravancando a cozinha tinha até conquistado seu espaço
e parecia não mais atrapalhar,
aliás,
já fazia parte da minha mobília precária.

sua vermelha toalha pendurada como uma cortina de sublime tecido.
seus cabelos como água-viva espalhados por toda a casa…

bem, ainda tenho o filósofo, a cama, a boca
e palavras que me salvam em
noites como essa
onde já sei tudo e conquistei tudo
mas pareço um leproso ao espelho.

nessas noites de vinte e quatro horas e cupins.
nessas noites de comprimidos.
noites de faca afiada, de martírio, auto-piedade,
noites que se parecem em muito com noites.

noites de tuberculose.
aneurismas.

de culta incompreensão dos fatos,
de sábias palavras inúteis,
de podres metáforas pedantes,
noites de úmido frio e insônia.

noites sem ela ali,
desfilando sua nudez a meu deleite
enquanto me espalho pela cama sentindo esse breve amor
que uma toalha vermelha

é capaz de enxugar




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inverno, 2012,                                                                                              
São Paulo/SP                                                                                                

feak i dem



nossa tentativa de agir do modo mais sincero possível
me pareceu um grande teatro
onde encenávamos personagens admiráveis
amorais
sem regras
                selvagens

era sincero.
mas escancarar essa sinceridade foi um ato premeditado
combinado e tal
ideia minha

na real era um jogo:
testar a elasticidade da convivência


é possível ser sincero o tempo todo?
ela hesitou bastante e disse não
concordei.


existe um caminho?


sim, inventar idiomas:

desma  feak i dem
rosh-flo-trinj
blei CLU CLUU CLUUUU
plic vlei flou pl
trrrrrrrr piiiiii


pronto.
essa é a verdade do universo no meu idioma.
agora traduza
                               e
boa noite





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inverno, 2012, São Paulo/SP